07 março 2008

Assim Falei Sobre Os Culpados - Parte 1.


Por Zarathustra Jr.


Imagine que você está num lugar onde nada o aflige. Tudo está em perfeita ordem. Na verdade, nem precisa haver ‘ordem’, uma vez que lá não parece ter havido ‘caos’, ou algo que o valha para pelo menos servir de referência. Mas isso não faz falta. Lá onde você está pode até ser ‘perfeito’. Você tem tudo e nem sabe da hipótese de que não se poderia ter. Então, não precisa de mais nada.

Um dia, tiram você de lá. Você vem pro nosso mundo. Para o que chamam de ‘vida’. E qualquer um que ouvisse os gritos que você dá só de perceber que agora vai precisar respirar para sempre diria que você não achou que ‘o mundo’ fosse exatamente uma boa opção pra se chegar, e ficar.

As pessoas que tiraram você do bem bom são seus pais. ‘Pais’ são as pessoas de quem você vai depender, em provavelmente todos os sentidos da palavra, pelos próximos vinte anos. Eles podem ter feito isso de propósito ou não. Ambos os casos não parecem ser justificáveis o suficiente. Mas, acredite, ainda vai piorar muito.

Você não pediu pra vir, mas de agora em diante, vai sentir fome e sono regularmente e também frio, calor, sede, vontade de chorar, curiosidade, vontade de jogar o pato de borracha longe, achar graça, vai sentir cócegas, pressa, ciúme, inveja, vergonha, e principalmente, medo.

Você vai gostar de algumas dessas coisas. E, com certeza, não vai gostar de sentir medo. Mesmo se vier a se tornar masoquista.

Você sente medo logo que chega (no mundo). Mas como ninguém toca no assunto e você começa a sentir fome, e outras coisas igualmente incômodas começam a disputar sua atenção, você esquece por um tempo. “Deve ser parte da paisagem”, você pensa.

Seus pais vão te ensinar coisas. Depois outras pessoas vão fazer isso e talvez eles perguntem o que aprendeu com elas. Em alguns casos, vão proibir você de continuar aprendendo com certas pessoas, no que você, de olhos arregalados (de medo), não terá muito o que argumentar – você é novato no mundo e ainda não tem nem noções de dialética.

É por causa do medo que você começa a aprender as coisas que vão te ensinar. Medo pode ser, afinal, algo útil por aqui.

Aí te ensinam que se deve aprender a falar – para e com as outras pessoas – e que você deve passar no vestibular, respeitar as leis, fazer caridade, que deve ser valente, mas não violento e, antes de qualquer coisa, te ensinam a obedecer – a metodologia de ensino tem mesmo muita prepotência, embora a intenção seja oficialmente declarada como altruísta.

Isso simplesmente porque, como diz a música, seus pais são crianças como você. E, já que eles também passaram pelo processo invariavelmente traumatizante do crescimento, não estão entendendo nada em níveis cada vez mais profundos.

É absurdo, portanto, que deixem que eles te tirem daquele lugar legal do primeiro parágrafo (sim, atraiçoados pelo instinto sexual) só porque devemos obstinadamente seguir a diretriz darwiniana da sobrevivência da espécie. Que, diga-se de passagem, não parece servir para nada mais interessante. Entretanto, pessoas como seus pais ainda fazem isso (ou ‘aquilo’) o tempo todo.

Infelizmente ninguém pode fazer nada contra. Nem jogar água gelada.
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Uma boa notícia: Algumas pessoas dizem que, no orgasmo, acessamos aquele lugar legal do primeiro parágrafo, por um instante. E dizem que isso se chama ‘alcançar o Nirvana’. Mas conheço pessoas que acham que isso só faz sentido numa loja de CDs com prateleiras bem altas.

5 comentários:

Guto Amorim disse...

Realmente, alguns pais nem sequer lembram disto por um segundo. Que eles vão nos colocar num 'mundo-cão' e de gatos e ratos também. Talvez por isso que depois que fazem 'a merda', trancafiam seus filhos nos 'Le Parc' da vida, cada vez maiores. Daqui a pouco vai haver até favela dentro dos condomínios, de tão grandes que eles são.

Hum...a pessoa das prateleiras por acaso é voce Zaratustra Jr.?

Flávio disse...

Gostei. E o mais animador é que, como vc colocou "Parte 1", provavelmente a 2 deve vir por aí. :) Abração

Cecilio Angelico disse...

Que visão mais negativa da concepção da vida...

Tá achando ruim?! Se mate!

rsrs

Larissa Reis disse...

Rpz, passou um filme aqui na minha cabeça...só não consegui lembrar de onde tudo era "perfeito". Acho que nem o nirvana nos livra do caos de possuir massa, forma, conteúdo e uma família!

PS:Já passei por aqui, mas só agora tô registrando! Muito bom o texto... Continua passando lá tbm,ok?

taz disse...

Oh yeah man, tudo isso é verdade mas ainda assim é vale muito mais a pena nascer, sair da capsula protetora e abraçar o mundo a fora do que viver na alienação de um ovo.

Anda lendo Nietzsche ?

PS: Zaratustra é foda. uhahaua