Por Zarathustra Jr.
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No último episódio de AFS, descobrimos que o mundo é habitado por pais, pessoas que não fazem idéia do que estão fazendo, mas que fingem o controle da situação com muita convicção*, motivadas principalmente pelo medo do desconhecido e seus desdobramentos, para fins de posicionamento na cadeia hierárquica social.
E, claro: Seus pais são os culpados de você estar aqui exposto a tudo-isso-que-está-aí agora e sabe-se lá o quê amanhã.
* O fato de que políticos, comentaristas esportivos, publicitários e vendedores de enciclopédia também sejam pais, confirma essa tese.
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Ensaio sobre a cegueira.
Muito da culpa dos pais se deve ao fato de serem totalmente adultos, os auto-declarados capazes de escolher, e por extensão, aprovar, decidir e atestar as coisas. Assim, todas aquelas descobertas a respeito das conseqüências sociais nefastas do medo dos pais valem obrigatoriamente para os adultos.
O contrário não ocorre, apesar de os adultos serem pais em potencial, e portanto potenciais perpetuadores do ciclo de transformação de inocentes em sonsos automáticos, sobretudo porque os pais têm como principal traço de distinção a incapacidade de perceber que eles não são você. Aparentemente é muito difícil para os pais entenderem isso.
Os adultos parentes dos seus pais têm o mesmo peso, entretanto. Tios e tias, tias-avós e primos de longínquos graus, todos deliberam sobre o seu destino como se isso fosse alguma coisa importante, mas que ninguém sabe explicar por que. Típico dos seus pais: acreditar no que os pais deles disseram.
Independência ou morte.
Seus pais o têm como filho deles, mas não entendem que o uso de pronomes possessivos nessa relação é meramente convencional.
Aí, quando você não vê problema algum em não levar o significado ao extremo, sua mãe decide vender o apartamento no qual você mora sozinho há um ano e meio na capital para comprar um novo, onde você vai, em contrapartida, usufruir dos mimos maternais, porque ela se sente só “naquela casa grande” da cidade vizinha.
Você já estava até colando os pôsteres dos seus filmes preferidos na parede do quarto e tendo uma vida sexual mais ativa; levava o lixo pra fora aos sábados e cozinhava nu quando lhe dava na telha. Os vizinhos nunca reclamaram do seu som alto; e você ainda nem tinha estreado como anfitrião de festinhas. Mas a farra acabou. Agora conquistar a independência financeira é sua promessa de ano-novo e última esperança.
Filhos: acessórios da vida adulta.
É difícil me conformar que as pessoas, estando há tanto tempo vivas, saibam tão pouco sobre a vida. Muitas pessoas vivas sequer se perguntam por que têm um braço. Ou dois.
As pessoas, os adultos, os pais têm a verdadeira noção da responsabilidade de ter um filho? E não de apenas ter, mas criar e tudo mais? É mais que pagar a mensalidade da escola em dia ou ter um plano de saúde que cubra o tratamento contra sua asma, embora essas sejam coisas importantes.
Filhos não são só a justificativa da metade do salário ou o motivo da insistência num casamento decadente, ou ainda uma questão de cumprimento de quesitos religiosos.
Seus pais, com sua já referida ignorância humanística, não só põem em risco a própria sanidade existencial e a da coletividade, como o mundo em si de uma maneira mais pragmática: você pode ser o novo Hitler ou o novo Michael Jackson. Eles têm noção do perigo que pode ter sido te trazer pra cá?
Duas palavras: usem camisinha.
3 comentários:
Cada dia melhor... muito bom!
(sem comentários, porém já comentando...)
Ai o filho cresce, vai pra escola e na volta vira pro pai dizendo:
- Pai, olha só o que eu aprendi: crééu, crééu...
- Nossa filho! Que bonitinho!
Excelente! Com direito a reflexão, risadas e tudo!
Acontece que muitas das coisas que fazemos acontecem porque não estamos totalmente "despertos"; e certas coisas acabam por ser hereditárias mesmo não sendo genéticas!
Mas olha que da maneira que vai a (DES)Educação aqui por estas bandas, qualquer dia devia fazer-se era posts sobre os filhos, que ao não aprenderem certas formas de estar e saber ser vai para além do que os pais possam transmitir ou não...é mesmo questão de feitio. Como diz o outro: Não é defeito, é feitio mesmo!
Gostei bastante aqui deste cantinho. Leve, crítico, irónico e divertido, inteligente!
Beijinhos em fio aqui da Teia.
P.S. Vale muito a pena conhecer os três álbuns de Portishead! Som muito íntimo, quase transe. De alma mesmo. ;)
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